Mas quando que mamãe deixava. Eu até que ficava na vadiagem, em julho. Ia pescar na escadinha do Ver-O-Peso, frequentava a matinê (que era à tarde) do cinema Paraíso, podia ligar a TV de tardinha para ver o Alecrim, ou ir até lá mesmo, ao vivo, no Clube do Garoto disputar ‘um quilo de bombom’, no cabo-de-guerra com a molecada do Remo...mas sair de Belém, nananina. Mamãe não deixava. Uma emendada dessas, na corda da última semana de férias, de jeito e maneira. Mamãe cortava logo. E eu, nem arreliava com isso. Não fazia por onde, também. Embora tivesse um espírito absolutamente rueiro, nunca fui mundano (e, até hoje, os escaninhos de Santa Maria de Belém do Grão Pará são o meu mundo). Por outro lado, sempre fui do trampo. Desde que me entendi por gente, corri atrás do dindim. Não tinha muito tempo mesmo para charlar por Moscou, como (diziam que) faziam muitos dos meus camaradinhas da escola. Mesmo na frouxidão das férias, alugava uma bicicleta para esmerilar lá na baixada do Areal, levava uma geladeira cheia de laranjinha (e uma ‘gilé Platinoplus’ pra cortar o plastiquinho), faturava uns Cabrales e depois descia para um mergulho proibido no igarapé do Zé, porque santinho, também não era.
A história que eu tinha pra contar das minhas férias não trazia emoções além do marco da primeira légua. E não era só eu que tinha essas restrições. Meus colegas também. Mas eles se fechavam em casa (consumiam-se com as trairagens do índio Mingo, no seriado Daniel Boone e nas pelejas do João Coragem pra conseguir um diamante deste tamanhão, na novela da Janete Clair) e não davam as caras na rua (não eram rueiros). A grande paga era na volta às aulas quando tínhamos que nos virar para escrever uma redação sobre os nossos momentos felizes em balneários bucólicos. Aí, era mais quem inventava. Eu, então, vigi, mentia muito. Contava sobre os piqueniques em Marudá, viagens para Mosqueiro no navio Presidente Vargas; banhos de igarapé na casa da tia Irá, nos meandros do Acará; Descrevia direitinho quando fui passar o dia lá no Tenoné, na casa de um tio que nunca existiu e a quantidade de gatos e bananeiras que vi no quintal da tia Ana, num passeio que fizemos, eu, mamãe e as meninas, num domingo à tarde, ‘pras bandas lá da Mucajá’ (o único episódio verdadeiro encravado na minha redação).
Tirando uma prosinha raquítica aqui, outra ali, de vera, o grosso da minha redação era tudo lorota: as minhas férias, quando garoto, foram inevitavelmente (e prazerosamente), pelas ruas de Belém.
(Estava num pé e n’outro pra falar sobre essas invencionices de menino-péssimo, na hora de escrever uma redação com o tema ‘minhas férias’, e me ocorreu falar do Clube do Garoto. Era um programa infantil apresentado pelos palhaços Alecrim e Carequinha - a dupla que acompanhei mais de perto, porque houve outra formação. E vem à memória, o meu primeiro emprego de carteira assinada como empacotador no supermercado Pão de Açúcar. Um certo Erasto Banhos fazia compras lá. E os boys, como eram chamados os moleques que arrumavam as compras nos paneiros à época, engalfinhavam-se para atender aquele Senhor Banhos. Eu ficava meio aquele para saber o motivo de tanta disputa. É que ele era o palhaço Alecrim, segredavam alguns. Arrodeávamos o homem, nos fazendo de incrédulos. Pedindo para que ele desse uma prova de que era mesmo o palhaço de nossas tardes. Até que ele impostava a voz algo anasalada e discorria no bordão “Secretãããria, traga um quilo de bombom aqui para os nossos amiguinhos”. Era. Era ele, e nós, moleques, folgávamo-nos a valer).